Publicado por: sadeckgeo | fevereiro 15, 2011

Zonas de risco a alagamento em Belém

Todo início de ano, principalmente nos períodos mais chuvosos ou naqueles em que as marés são mais altas, ou pior, quando os dois períodos coincidem, a população belenense sofre com os recorrentes alagamentos nas áreas mais baixas, conhecidas como várzeas. No entanto, são vários os fatores que contribuem para o agravamento deste caótico cenário urbano, entre eles, a falta de consciência ecológica ou mesmo de educação da população em geral, assim como atividades de engenharia ineficientes.

As características físicas e naturais da cidade de Belém também favorecem as enchentes. Um exemplo disso diz respeito aos seus aspectos topográficos, pois grande parte do seu território encontra-se em áreas rebaixadas, apresentando, portanto, baixas altitudes em relação ao nível do mar. Sua rede hidrográfica é outro aspecto relevante, visto que apresenta uma rica rede de drenagem urbana, a exemplo da Bacia do Una e da Bacia do Tucunduba, que cortam uma quantidade significativa de bairros da cidade. Somado a esses fatores naturais, tem-se, ainda, o elevado índice pluviométrico, que se encontra em torno de 360 mm por mês, inflamado por um sistema de drenagem ineficiente e sucateado, incapaz de escoar toda a água precipitada.

Todavia, para que se possa ter um melhor entendimento das causas destes eventos, não é prudente restringir-se apenas aos aspectos naturais. Uma vez que, esses acontecimentos estão intrinsecamente ligados ao processo de formação sócio-espacial da cidade de Belém, marcado pela segregação e exclusão, onde as populações que não tinham acesso às áreas centrais acabaram sendo “empurradas” para as áreas mais baixas (várzeas).

Essas ocupações, geralmente, irregulares, foram realizadas ao longo das margens de rios e igarapés presentes na malha urbana de Belém, engendrando, assim, novas modalidades de uso do solo que, paulatinamente, provocaram intensas alterações nas características naturais, como a retilinização, o assoreamento e o aterramento dos rios. As figuras abaixo exemplificam áreas de constantes alagamentos nos períodos chuvosos em Belém.

Fotos dos principais jornais da capital

Com a intensificação do processo de urbanização e expansão para outras áreas, como a Avenida Augusto Montenegro, a rodovia BR – 316 e as ilhas no entorno de Belém, houve uma transformação progressiva do ambiente natural da cidade, fato que contribuiu para o aumento das áreas sensíveis aos alagamentos, conforme mostra a figura abaixo.

loca_alag

Atualmente, a paisagem urbana de Belém é marcada pela presença de construções em áreas que, em função das condições naturais, não deviam ser habitadas segundo a lei de terreno de marinha (art. 2º do decreto-lei nº 9760, de 05.09.1946), o que, conseqüentemente, contribui para o agravamento das inundações, pois os leitos dos rios passaram a ser alvos do despejo de resíduos sólidos e líquidos.

Desta maneira, ao levarmos em consideração a conexão entre estes fatores não fica difícil compreender e reconhecer os principais responsáveis pelas recorrentes cenas de alagamentos que afetam constantemente a cidade de Belém.

Nesse sentido, objetivando realizar o mapeamento das áreas propensas naturalmente a estes fenômenos, gerou-se, através de uma metodologia básica, um “Mapa de Riscos a Alagamentos”, levando em consideração as altitudes da cidade de Belém. Para isso, foi obtida a imagem da missão SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) de 90 metros de resolução espacial (RE) e 16 metros de resolução altimétrica (RA), sendo interpolada como os dados do levantamento topográfico feito em 1998 pela CODEM, obtendo-se assim 30 metros (RE) e 10 metros (RA), o que nos possibilitou definir o limite da área de risco ao alagamento de uma forma mais real.

Para que a tomada de decisão seja a mais precisa possível extrapolou-se a cota máxima de inundação para 8 metros. Isso nos diz que de 0 a 8 metros de altitude pode ser alagado, dependendo das intempéries. Nesse ensaio, para definir maior ou menor risco, não levamos em consideração, no entanto, fatores sócio-econômicos, de saneamento, pluviometria e outros que serão abordados em estudo mais completo.

O resultado é mostrado nas figuras abaixo, em que é possível visualizar o limite territorial da cidade de Belém. As manchas vermelhas representam as áreas propensas naturalmente a alagamentos e as manchas vermelhas cortadas por linhas pretas, indicam as áreas sujeita a alagamentos por bairro da cidade.

Por meio da espacialização das áreas vulneráreis a alagamentos, pode-se perceber que elas estão localizadas majoritariamente nas áreas correspondentes a primeira légua patrimonial da cidade, como também, nas áreas próximas a terrenos de marinha. A tabela abaixo mostra os 10 bairros mais sujeitos a alagamentos na cidade.

Conclui-se, portanto, que para que as políticas públicas sejam eficazes, é fundamental que as autoridades públicas considerem as peculiaridades e particularidades naturais da cidade, remanejando as pessoas das áreas propensas aos alagamentos, além de investir na educação ambiental, visando diminuir a quantidade de despejo de lixo nos rios e igarapés de Belém e trabalhando uma engenharia mais inteligente, que não só mude o local de alagamento.

Belém já devia ter em uma de suas secretarias um sistema gerenciador de recursos hídricos, que tivesse a função de prognosticar escassez de água, degradação de corpos hídricos, áreas de alagamento e outros problemas pertinentes, para uma tomada de decisão mais eficaz. E aqui é importante lembrar a complexidade do problema que envolve um enorme numero de variáveis. Puxando a sardinha para o nosso lado, um SGI (Sistema Geográfico de Informação) bem estruturado poderia ter essa condição de prognosticar.

Artigo publicado: Mapeamento das Zonas de Risco às Inundações no Município de Belém – PA.

Por: Arleson Souza / Laryssa Tork / Luis Sadeck


Respostas

  1. Grande Sadeck

    Excelente artigo. De forma simples conseguiu mostrar que é possível e viável detectar áreas de risco.

    Infelizmente para as prefeituras nada disso é considerado e depois vemos desastres como na região serrana do RJ acontecerem por que faltou o minimo de atenção à estudos previamente efetuados.

    Parabéns pelo texto e boa semana.

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    • Amadeu,

      Obrigado pelo comentário!
      Nossos gestores realmente precisão ler os relatórios técnicos para que não haja mais desastres… O mais engraçado é que nem precisa ser um documento de 1000 páginas, pode ser um breve alerta, que já ajudaria e ajuda a preservar vidas.

      Um abraço.

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  2. Muito legal seu artigo Sadeck, entretanto, gostaria de fazer alguns comentários que acho importante ser analisados. Primeiramente, a escolha de uma cota acima do nivel médio da maré nos últimos anos deveria ser levada em consideração e também verificar a tendência das variações e a escolha de 8 metros me parece muito alta, isso parece mais uma transgressão marinha do que uma enchente provocada por chuvas. Acho que não cabe usar esses valores para análise temos que verificar os registros históricos das marés em Belém. Lembrando que Belém está localizada numa baía, e como tal tem livre conexão com o Oceano Atlântico o que dificilmente poderia permitir uma inundação com 8 metros de diferença. Outro fator não tratado no texto está relacionado que a ocupação das planícies de inundações dos rios e igarapés na RMB além de ser irregular também faz que a urbanização com seus concretos e asfaltos diminua a permeabilidade do solo gerando a cada chuva uma maior disponibilidade de águas pluviais escoando superficialmente e por sua vez os canais dos leitos normais de escoamento já não dão vazão para a nova carga de água agora escoada. Valeu

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    • Valeu Jamer,
      Na verdade esse é só um primeiro ensaio sobre a temática. O artigo final será publicado em revista pertinente ao assunto elevará muitos outros fatores de risco (impermeabilização do solo, condições sócio-econômicas, obras de infra-estrutura, saneamento básico, lixo e outros), que ainda não aparecem nesse, e que nos ajudarão a classificar o grau de risco dentro dessa área que vai até a cota de 8 metro. É claro que alguns erros ainda aparecem em nossas avaliações, como por exemplo a tabela de porcentagem, que precisa passar por ajustes.
      Ainda esperamos poder fazer um apanhado geral da lei de terreno de marinha.
      Obrigado pelo seu comentário, é assim que a coisa evolui! Para o trabalho completo levaremos em consideração suas observações.

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  3. Sadeck,

    Sem querer abusar (mas já abusando, hehe), será que seria possível você detalhar um pouco como determinou as áreas atingidas (ferramentas, etc)?

    abraços

    Cassio

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    • Cássio,

      Tudo foi feito no ArcGIS, basicamente usando a Spatial Analyst… mas não entendi perfeitamente sua duvida, então vou explicar de forma genérica.

      1- Obtenção do SRTM e dos vetores (drenagem, bairros, logradouros e curvas de nível);
      2- Usando a Spatial Analyst foi feito uma interpolação spline dos dados extraídos do SRTM com as curvas de nível;
      3- Do resultado foi recriado o layer de cotas;
      4- Foi criada uma consulta para obter os valores de 0 a 8m;
      5- Com isso, foi vetorizado para geração das áreas;

      Lembro que essa é a metodologia para o ensaio (idéia inicial do estudo) e que posteriormente usaremos a Álgebra de Mapas para a geração das áreas de risco com o respectivo grau de risco a alagamento.

      Espero ter respondido e não ter esquecido de nada. rs
      Vou ver se tiro um tempo para criar um tutorial sobre.

      Um abraço.

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      • Sadeck,

        Era isso mesmo que eu queria saber!

        Estamos fazendo um trabalho semelhante aqui em Blumenau (no ceops.furb.br ) e estou vendo qual seria a melhor forma de fazer. Estamos usando um levantamento topográfico feito pela prefeitura e tentando gerar os DEMs a partir dele. (obviamente que não é a melhor forma, mas é o que temos por enquanto)

        Vou aguardar ansioso seu tutorial. Creio que vá me ajudar muito.

        abraços e parabéns pelo trabalho!

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  4. Fala Sadeck. Muito bacana esse artigo que está sendo organizado por você, o Arleson e a Laryssa. Dá uma verificada nos toques do James e na dissertação do Flavio Altieri que fez toda uma metodologia de mapeamento de área de risco de inundação em Belém. Creio que vai de grande ajudar no seu artigo final.
    Um grande abraço irmão.

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    • Fala Marcos,

      Então, Na tese do Flávio ele usa só a bacia do canal da Quintino, mas está muito boa, ela já faz parte das nossas referencias, porém estamos tentando ir além na pesquisa e ver outros fatores que possivelmente contribuam para aumentar o risco de determinadas áreas. Na verdade ainda não vi o programa que ele desenvolveu, mas acredito que não leve em consideração fatores sócio-econômicos por exemplo.
      Vou procurar o Flávio para conversarmos mais sobre o assunto durante a pesquisa e juntar forças para desenvolver algo que ajude a prevenir maiores estragos.
      Além disso, acho que um ponto crucial para essa discussão são os terrenos de marinha, que ainda precisa ser aprofundado em nossas pesquisas.

      Obrigado!

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  5. Parabéns pelo artigo, muito importante e de grande utilidade pública. Quando públicar não esqueça de mandar o link para eu ler este na íntegra. Este Blog é DEZ!

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  6. Olá Sadeck, muito bom o artigo!

    O Alexandre na UFES já fez algo parecido também, ele utilizou as variáveis: uso da terra, declive, altitude, solos e pluviosidade. Muito interessante seu artigo, depois divulgue a versão final, e, a idéia do tutorial é sempre bem vinda.
    Grande Abraço,
    Walbert

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    • Caro Walbert,

      Obrigado pelo comentário.
      Você tem o estudo desenvolvido poelo Alexandre ou o contato dele para que possamos apreciar o trabalho e servir de referência ao nosso?
      O Osvaldo já está providenciando o tutorial, assim que possível postará.

      Um abraço.

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  7. Olá Sadeck,

    Só não entendi porque você está dando tanta ênfase a terreno de marinha, pois não vejo como isto pode influenciar no seu trabalho.

    Abraços,

    Sérgio

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    • Caro sergio,

      Terreno de marinha será usado para proposta de planejamento e nesse caso estou conversando com o prof° Paraguassú, que é grande conhecedor da área e já me deu muito boas idéias…
      Quando o trabalho estiver completo e publicado podemos conversar mais sobre.

      Um abraço.

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  8. O professo alexandre e um cabra bom …http://www.mundogeomatica.com.br/

    eu fui aluno dele e sou testemunho do seu conhecimento..

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  9. Prezado, Prof.

    Sou hidrologo e gostaria de parabenizar pelo trabalho.
    Se possível, que disponibilizasse seu artigo final no Blog.

    Duas recomedações:
    a) Não seria melhor “comprar” a topografia na codem?
    Sabemos que a SRTM não tem precisão suficiente para áreas urbanas (graças a sua resolução de 90m) e a CODEM vende as informações nesse link:
    http://servicos.belem.pa.gov.br/index.php?Itemid=159&id=79&option=com_content&view=article

    b) Concordo com os colegas que a cota de cheia deve ser diminuida para 4m.
    Fiz um levantamento de maré de 10 anos (2002-2011).
    E a cota máxima foi de 3.9m.
    Como são dados da marinha, disponíveis na internet, não teria nenhum problema em repassar a planilha já organizada (Porto de Belém e Ilha de Mosqueiro)

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    • Olá David Lopes,

      Agradeço as considerações. Então, nós prevíamos até o fim do ano para finalizarmos esse artigo, mas tivemos alguns atropelos ótimos. O Arleson e a Laryssa entraram como alunos especiais do Mestrado e isso tem consumido um bom tempo dele, além disso estamos cheios de atividades no trabalho, mas não desanimamos não, assim que houver uma brecha na agenda esse será prioridade.

      Levando em consideração suas recomendações:

      a) – Nós temos a base vetorial da CODEM (2m), faremos o DEM a partir dela para o artigo final.

      b) – Vou tentar explicar, a cota de alagamento é 4m, mas para efeitos de segurança e para que a tomada de decisão seja a mais precisa possível, extrapolou-se a cota máxima de inundação para 8 metros. Já entramos em contato com a marinha para obtermos os dados de aproximadamente 30 anos, por falar nisso, obrigado ao Cesar Diniz pelo contato e suporte no processo de análise.

      Em suma, estamos tentando nos organizar para finalizar o artigo, mas estamos com dificuldade de encontrar tempo, se tiver alguém interessado em contribuir, entrem em contato. Nós agradecemos.

      Obrigado pelas considerações David, se você se interessar em nos ajudar a fechar esse artigo, entre em contato.

      Um abraço.

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  10. http://twitter.com/#!/Sipamoficial/status/73380227920834560

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  11. o assunto é importante, o que mata é o português pobre, e só corrigindo “assim como atividades de engenharia ineficientes.” na verdade engenheiro executa, a responsabilidade por decisões e planejamento relacionadas a cidade cabem ao urbanistas.
    mas ate que valeu a pena, pelas imagens

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  12. Agora vocês já podem consultar o trabalho (ALAGAMENTO E INUNDAÇÃO URBANA) desenvolvido pelo Flávio Altieri no link: http://awe.sm/5a006

    Aproveitem.

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  13. Na minha opinião a maior partes dos alagamentos nas ruas de Belém faz parte da falta de educção que o povo tem,boeiros cheios de lixo valas entupidas entulho espalhado pelas calçadas,fora as calçadas imprópria nas ruas .Depois das chuvas vem choro reclamação o povo deveria ter uma escola que podesse alfabetizar comportamento de higiene e cuidados com o meio hambiente.Não adianta o governo gastar com comércial mostranto como devem se comportar e sim uma escola com aulas práticas.Porém depois de formado pagaria multa se caso fosse pego sujando as ruas.Bem essa é minha opinião.

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    • Angela,

      Opinião aprovadíssima! Só acredito em soluções se forem pautadas na educação… É claro que não é só o problema do lixo que ocasiona os alagamentos, mas ele contribui muito.

      Obrigado por compartilhar sua opinião conosco.

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  14. Trabalho publicado na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade – ANPPAS.

    Gostaria de agradecer o empenho e compromisso dos meus queridos amigos Arlesson e Laryssa que acreditaram nesse trabalho e tem incentivado a ampliação e desenvolvimento desse trabalho em um futuro próximo. Obrigado!

    Link: http://www.4shared.com/office/cgg6PFtD/Mapeamento_das_Zonas_de_Risco_.html?

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  15. Olá Sadeck,

    Sempre revolucionando nas discussões, parabéns.
    Aqui em Porto Velho-RO, o SIPAM e as universidades (UNIR e FARO) estão classificando áreas com risco de inundação em bacias urbanas. O primeiro trabalho pensou-se nas zonas de inundação do grande rio Madeira, porém com a urbanização aumentando no perímetro urbano passamos a estudar os igarapés. O método usado no atual estudo consiste em delimitar a área de inundação observando a recorrência dos eventos extremos de chuva. O Geoprocessamento tem sido uma ferramenta valiosa para caracterizar as microbacias, principalmente, determinação da declividade média da bacia, na estimativa da área da bacia, espacialização dos eventos de chuva, e a área correspondente ao volume de cada evento. Um grande exemplo do que já fizemos está detalhado neste artigo – http://www.abrh.org.br/SGCv3/UserFiles/Sumarios/b4d0cd89ad5b37a227aafe4b81ffe338_acb9c1a25d8b241375aef3ebf6af97e9.pdf

    Abraços

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    • Olá Henrique,

      Obrigado pelas considerações. Já baixei seu artigo, vou dar uma olhada e assim que possível faço as considerações.

      Um abraço.

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  16. Sadeck, estamos iniciando nessa área e este blog é uma das nossas fontes, se assim você nos permitir… Vida longa…!!!

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    • Sem problema, pode usar a vontade! Veja os links que estão nos comentários.

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  17. Esse espaço é muito interessante para o debate sobre a temática versada, inicialmente, em 2011. Embora não tenha tido a oportunidade de ler o trabalho completo (apenas um artigo), acho que a iniciativa do nobre colega foi louvável e o parabenizo por isso. Acerca do assunto, que por si só é complexo e envolve uma visão sistêmica de engenharia (conceitos de hidráulica e hidrologia, e nomeadamente, estudos sobre os mananciais de água, abastecimento, saneamento, drenagem urbana e resíduos sólidos, etc), e, sobretudo, de questões sociais, econômicas e políticas, pode-se fazer os seguintes questionamentos:

    1) A princípio vejo um conflito conceitual, sobre risco e vulnerabilidade, pois ambas terminologias são administradas sob idéias distintas. Embora as mesmas denotem a mesma significação de ameaça.

    Por exemplo, os franceses optaram pela idéia de “aleatório” (aléa). Os anglo-saxónicos preferiram a idéia do “acaso” ou “casualidade” (hazard), ao passo que alguns espanhóis, italianos e portugueses, para exprimir a idéia de ameaça preferiram utilizar os termos peligrosidad, pericolosità e “perigosidade”, respectivamente.

    No Brasil, conceituou-se vulnerabilidade como sendo o grau de perda para um dado elemento, grupo ou comunidade dentro de uma determinada área passível de ser afetada por um fenômeno ou processo; por sua vez o risco é caracterizado pela relação entre a possibilidade de ocorrência de um dado processo ou fenômeno, e a magnitude de danos ou consequências sociais e/ou econômicas sobre um dado elemento, grupo ou comunidade. Enfim, quanto maior a vulnerabilidade, maior o risco.

    O Departament of Humanitarim Affairs (das Nações Unidades) conceituou risco como perdas de vidas, pessoas afetadas fisicamente e por condições econômicas e sociais. Vulnerabilidade, como a perda do potencial de dano existente.

    Portanto são áreas de risco ou zonas vulneráveis à cheias?

    2) Outro aspecto a ser levantado, já que o objeto é mapear o risco (se for risco), é acerca das incertezas existentes e as formas de ocorrência. Pois, quantificar percentuais não é estimar probabilidade de ocorrência de cheias, muito pelo contrário, é catalizar incertezas.

    Por exemplo, o risco de uma precipitação ou vazão, para mapear o risco de cheia, deve ser entendido como a probabilidade de ocorrência de um valor igual ou superior de um ano qualquer. Desse modo, o tempo de retorno é o inverso da probabilidade, e representa, em média, que um evento extremo de cheia tenha chance de ocorrer novamente. Assim, para uma precipitação de 10 anos, a cheia tem a probabilidade de 10% de voltar a ocorrer. Portanto, o risco ou a probabilidade de ocorrência de uma precipitação ou vazão igual ou superior a um período de n-anos é igual a: Pn = 1 – (1 – p)^n. Um exemplo retirado de uma referência, citada pelo próprio autor em um resumo publicado, (Tucci, 2005) revela as chance de uma cheia de 10 anos ocorrer novamente em um período de 5 anos é igual a 41% (usando a equação acima), esse preceito foi utilizado?.

    Outrossim, pergunto: não há dificuldade para estimar os tempos de retorno em Belém, pela carência e falta de estações pluviométrica e fluviométricas necessária (além da precisão e informação – série histórica) para elaborar um mapa de inundações confiável?

    Se houver esses dados, como foi estimado a probabilidade de cheias (ou de ocorrência de cheias), em termos percentuais? (como as quais o trabalho revelou com “certa precisão” – e.g. 92.13%)

    Pois, a literatura, embora recente, expõe mecanismos matemáticos e estatísticos para quantificar com “certa precisão” a probabilidade de cheia em termos de percentuais, por duas formas: modelos probabilísticos e não probabilísticos.

    Os modelos não probabilísticos são relacionado a utilização de lógicas inteligentes (fuzzy, RNA, neuro-fuzzy, algorítimos genéticos, etc). Quanto aos modelos probabilísticos, os mesmos podem quantificar o risco em duas situações: simulação e aproximação.

    Os modelos probabilístico de simulação, utilizam um conceito de margem de segurança contra as cheias, isto é, a quantificação do risco é feito por uma função de desempenho – G(xi). Essa função é relacionado a resistência de um determinado sistema (R), que neste caso seria a própria capacidade do espaço (uso do solo se permeável ou não, etc) suportar a uma determinada solicitação (S) pluviométrica/fluviométrica. E, portanto, essa margem é quantificada em G(xi) = R – S, onde xi são variáveis (i = 1, 2,…, n). Assim, a simulação de conjuntos de valores xi, a partir de suas distribuições de probabilidades são operacionalizadas, de modo que se possa calcular um conjunto de valores de G(xi), suficientemente grande para representar uma boa população amostral de G(xi). Sendo que a probabilidade de cheia (Pc) será avaliada pela razão da quantidade de valores de G(xi) < 0 (negativos) e a quantidade de eventos G(xi) gerados – Pc = NG(X)<0 / NG(X), tal como é referida a famosa Simulação de Monte Carlos.

    Por outro lado, os modelos probabilísticos de aproximação, consistem na estimativa de um fator de segurança contra cheias. Para tanto, parte-se de um conceito de índice de confiabilidade (β) no qual se considera implicitamente o desempenho de G(xi). O valor de β comporta-se como uma espécie de k, quanto maior for o β de um sistema menor será risco. Esta confiabilidade é classificada como relativa, cuja proposta baseia-se no fato de não ser necessário o conhecimento prévio do comportamento absoluto ou global de G(xi) para estimativa da segurança contra cheias. Não obstante, a observação das formulações de β demonstram a necessidade de obtenção do desvio padrão de k. Este é obtido através técnicas de aproximação como as “aproximadas pelo segundo momento”. Dentre as técnicas de aproximação, analítica, pelo Segundo Momento, destaca-se a de aproximação de G(xi) por série de Taylor. Se xi for em torno do valor médio o método é denominado de MFOSM (Mean-Value First Order Second Moment). Se a aproximação da série for feita em torno de um provável ponto de falha (G(xi') = 0), isto é, xi’ sendo considerada como variáveis igual a xi (da função de desempenho g(xi) = G(xi)) diminuída da média (µxi) pelo desvio padrão de xi (σxi), onde i = 1, 2, …, n, o método será denominado de AFOSM (Advanced First Order Second Moment).

    Assim, pergunta-se: Há "precisão" para estimar o risco de cheia suficientemente confiável? Se não, resposta que acredito ser possível, logo os resultados podem gerar incertezas ou até mesmo superestimações (e.g. altura de 8 m da cota de cheia), e consequentemente, tomada de decisões equivocadas.

    3) Como dito anteriormente, a gestão de cheia perpassa por questões complexas e sistêmicas. A complexidade em determinar o risco, seja social, econômico e político é de natureza subjetiva, que por si só, já administram erros e são difíceis de se mensurar (a não ser por indicadores determinísticos, cujos erros são inerentes). Por outro lado, questões de engenharia, além de complexas, não são exatas e carecem de um tratamento numérico ou probabilístico para diminuir as incertezas e quantificar erros ao processo. Porém, as questões de engenharia são palpáveis e "modeláveis" (idealizações que podem aproximar-se de uma dada realidade – administrável). Há disponibilidade de modelos numéricos que realizam com precisão, dentro da realidade administrável, uma estimativa confiável para mapear o risco, a partir de parâmetros hidráulicos e hidrológicos, etc (software como: HEC-HAC, SWMN, etc.). Foi utilizado algum desses, além de geotecnologias?

    4) Por fim, produzir um mapa de inundações para auxiliar uma decisão importantíssima (que implica em perdas materiais e imateriais) sem dados disponíveis e nem com ferramentas de engenharia é, no mínimo, dá um "tiro no escuro", não?

    5) Outra questão a ser levantada, quando vejo o mapa de cheias é a seguinte: qual o hidrograma de cheia das áreas com maior e menor risco? Qual o coeficiente de escoamento das áreas analisada (é proporcional ao aumento da área impermeabilizada? Resultados que seria importantes para gerenciar o risco de cheia…

    Como sugestão ao autor, recomendo que o mesmo recorra aos princípios da hidráulica e hidrologia. O mapa de risco de cheia sem esses princípios, combinado com extrapolação aleatória, da cota de cheia (sem as medições sugeridas por um dos comentários realizados) é dar "dois tiros no escuro", não?

    Me coloco a disposição para ajudar, pois acredito com as informações geradas pelos levantamento geotecnológicos, possamos fazer um mapa mais realístico e que ajude e subsidie, com acurácia, a tomada de decisão.

    Abraços, e parabéns! (as críticas são construtivas, e devem ajudar na troca de conhecimento da vossa área de atuação).

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    • Olá Eurico,

      Realmente a conceituação de risco, vulnerabilidade e sensibilidade é um tanto indiscriminada e apresenta muitas variações dependendo da área de estudo e da ciência que à aplica, sendo assim acredito que o termo mais correto seria mesmo vulnerabilidade.

      Como a análise foi feita de forma preliminar e não consideramos muitos outros fatores que influenciam no processo de alagamentos, não tivemos ainda a oportunidade de aplicar o método / procedimento do Tucci.

      Sim, o artigo também tinha a intenção de forçar o governo (Estado e município) na implantação de mais ferramentas de coleta de informações. A séria histórica que tínhamos era apenas a dinâmica de marés nos últimos 30 anos adquiridas junto à Marinha do Brasil.

      Além disso, o conhecimento empírico histórico dessas áreas por parte dos autores (viventes da área por aproximadamente 30 anos) que auxiliou na demarcação, uma análise bastante subjetiva e não científica que precisamos avaliar contrapondo com o rigor científico.

      Não sei lhe dizer, por números se é suficientemente confiável, mas posso lhe afirmar baseado na vivência. E a incerteza continuará a existir mesmo com o esperado rigor. Sobre a cota de 8 m, na ultima chuva torrencial que tivemos, cotas de 9 m foram para o fundo, é óbvio que nem toda a área apresentada nos mapas teve esse mesmo comportamento.

      Não, como o estudo era apenas um ensaio sobre o tema não tivemos tempo de nos aprofundarmos nas questões mais hidráulicas e hidrológicas.

      Acredito que dar um tiro no escuro seja não ter nenhum mapa para subsidiar as obras, pois esses nunca foram apresentados pela prefeitura, que cuja a base cartográfica da cidade data de 1998 e não se ajusta às demais informações cartográficas da cidade com rede de esgotos e abastecimento de água.

      Sobre as perguntas do ponto 5, acho todas pertinentes, mas como lhe falei o estudo é preliminar (ensaio) e não considerou “toda” a complexidade do sistema. Quem sabe em um futuro possamos aprofundar o tema.

      Concordo com a sugestão e serão levadas em conta, mas como já falei o tiro no pé poderia ser ainda maior… rs

      Sem duvida que quando esse trabalho for ser ampliado entrarei em contato para conversarmos sobre… pois já vi que você tem feito alguns trabalhos relacionados à área e poderemos associar forças para desenvolver um bom trabalho.

      Agradeço profundamente suas considerações, saiba que todas serão levadas em conta e entrarei em contato sem duvida para conversarmos.

      Muito obrigado pelas sugestões e esclarecimentos sobre a temática.

      Um forte abraço.

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  18. Excelente artigo Sadeck. Precisei fazer uma pesquisa sobre isso e ajudou baaastante! Quando vi que tu que tinhas escrito cliquei na hora e não me arrependi 😉
    Abraco
    Lais

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    • Oi Lais,

      Esse post/artigo foi muito legal que juntou muita gente boa nas duas áreas (Sensoriamento remoto e gestão) dê uma olhada nos comentários que tem informações, dicas e sugestões muito valiosas para melhorar o trabalho que nós começamos como um ensaio.

      Obrigado!

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  19. Gostei muito do artigo …tanto que o publiquei em MOSQUEIROAMBIENTAL por se tratar de um trabalho sério e tecnicamente necessário para o estudo e debate da problemática ambiental de nossa cidade.
    Valeu !!!

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  21. Vcs sò ligam pra publicidade e ainda criticam…

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    • Olá Yasmim,

      Bem, publicidade não é o forte desse blog… A postagem aqui é uma critica sim! Se você estiver dentro do sistema de gerenciamento de informações de Belém vai ver que o que menos tem lá são informações. Essa postagem já foi usada em diversas monografias de Mestrado e serviu também como prévio levantamento ao estudo do CPRM sobre cartas de suscetibilidade a inundação e movimentos de massa que englobou diversas cidades.

      Um abraço.

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  23. Parabéns pelo artigo! Informações fundamentais para todos!

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